O artigo discute possiveis efeitos heuristicos da leitura de narrativas literarias distopicas e sua dimensao critica reflexiva face a sociabilidade moderna e as perspectivas de futuro. Analisa a importancia da leitura e da literatura na formacao de consciencia critica propiciadora de mudancas e de condutas eticas em oposicao a alienacao e ao conformismo da modernidade, percebida pela metafora dos ¡°homens-livros¡± do romance Fahrenhait 451 (Ray Bradbury). Aborda aspectos teoricos da literatura especulativa de ficcao cientifica, dialogando com pressupostos da estetica da recepcao, propondo como caminho analitico para tais textos a valorizacao do conteudo diegetico, a carga perlocutoria, a enfase no significado e no texto como forma simbolica e a percepcao interdisciplinar ativada no processo de leitura e na construcao de memorias do futuro.
PALAVRAS-CHAVE: Distopia. Futuro. Literatura de ficcao cientifica. Memoria. Processo de leitura.
LIVROS-FENIX: das palavras a memoria, das cinzas aos homens
Quanto mais as nossas casas sao iluminadas e prosperas, tanto mais suas paredes ressudam de fantasmas; os sonhos do progresso e da racionalidade estao repletos de pesadelos.
(CALVINO, Italo, 1977).
Na sociedade do futuro apresentada a imaginacao do leitor por Ray Bradbury em Fahrenheit 451,1 imperam o conformismo e a alienacao, como em muitos outros textos literarios que buscam estabelecer realidades imaginarias para o porvir. A especificidade do cenario ficcional desse romance reside na enfase que e dada ao papel do livro como elemento de formacao critica e de consciencia de mundo, bem como no percurso argumentativo paradoxal que utiliza, pois e da ausencia significante do livro que brota a forca da tese filosofica que orienta a obra: a imensa importancia e o precioso valor dos livros para a formacao de sujeitos conscientes e atuantes no mundo surgem, justamente, do impacto da descricao de um mundo sem livros, que baniu sua existencia, condenando-os ao fogo e proibindo sua posse.
. Doutora em Desenvolvimento Sustentavel pela Universidade de Brasilia (UnB). Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). E-mail: marilia@uesb.br.
.. Doutor pela Faculdade de Economia e Ciencias Sociais da Universidade Erlangen-Nuernberg, Alemanha. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Romance de Ray Bradbury publicado em 1953 e filmado por Francois Truffaut em 1966 (neste artigo trabalhou-se com a 9¨£ edicao, Editora Globo, 2003).
O fogo, o primeiro elemento que se destaca neste texto, aproxima-se todo o tempo do objeto emblematico central, o livro. Uma relacao carregada de simbolismos e de historia. Uma referencia imediata pode ser feita, ao lembrar a explicacao cosmogenica da mitologia crista, que relaciona a criacao do mundo a palavra, o universo feito pelo verbo, que tambem e fogo, signo do espirito criador em deus e nos homens. E tambem pela palavra que os homens se atiram ¡°ao fogo do inferno¡±. O poder revolucionario das palavras, associado a perspectiva de iluminacao frente aos misterios e, ainda, a catarse que o gozo da leitura pode provocar pode ter servido de justificacao, por varias vezes na historia, para que fossem acesas as inumeras fogueiras que incendiaram a historia da leitura. Com constancia, o exercicio do controle social pela forca se deu pelo uso das chamas sobre os livros pelas autoridades constituidas.
Em Atenas, em 411 a.C., as obras de Protagoras foram queimadas. O imperador chines Chi Huang-Ti queimou todos os livros, no ano de 213 a.C., para que a historia comecasse a partir dele. No imperio romano, Caligula ordenou, em decreto que nao foi cumprido, a queima dos livros de Homero, Virgilio e Livio, e Diocleciano condenou, em 303, os livros cristaos a fogueira (MANGUEL, 1997, p. 315), alem de destruir os manuscritos e tratados de alquimia. O historiador muculmano Abd al-Latif (sec XII) registrou a queima da biblioteca de Alexandria, aniquilada pelas chamas por Amr ibn-el-As, que agiu sob as ordens de Omar, o vencedor, para quem a palavra de Ala era suficiente (BERGIER, 1971). Inumeras fogueiras do medievo consumiram homens, livros e magias, num mundo ainda obscuro e encantado. Manguel (1997, p. 315) registra o choque desse espetaculo na fala do jovem Goethe que, ao testemunhar a queima de um livro em Frankfurt, sentiu que presenciava uma execucao: ¡°Ver um objeto inanimado ser punido e em si e por si mesmo algo realmente terrivel¡±. Na modernidade, a imagem classica e a da grande fogueira nazista de Berlim, que queimou, diante de uma multidao irada, mais de 20 mil livros de uma vez. Na Universidade Humboldt, um monumento contemporaneo localizado no lugar desta fogueira sintetiza o horror da destruicao: por um grande buraco no chao, coberto por um espesso vidro sobre o qual as pessoas andam, podem ser vistas inumeras estantes vazias, sem livros, ou com ¡°nao livros¡±, marca de todos os livros queimados, morfema zero, ausencia significante.
Em Fahrenheit 451, se o cerne do modelo de civilizacao construido . a alienacao . aproxima o texto de outras obras classicas, uma de suas peculiaridades e a elevacao do livro (da leitura e de suas decorrencias filosoficas, politicas e mnemonicas) a condicao de pedra angular de todo o texto. Numa sociedade que vive em pleno
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alheamento e subordinacao as estruturas (ocultas . ou nao) do poder e do mercado, os livros foram banidos e a atividade leitora restringiu-se a bulas, manuais tecnicos, programacao de televisao ou a qualquer passatempo da industria do entretenimento, desde que nao possa gerar inquietacoes, incertezas, questionamentos, transcendencias, ¡°teorias ou pensamentos contraditorios¡±.
Os agentes da ordem, que tem a funcao de patrulhar, investigar, reprimir, controlar e punir a posse/uso do livro sao os bombeiros, que, numa inversao total das funcoes que desempenham no mundo contemporaneo, ateiam fogo em livros que, apesar de proscritos em sua totalidade, ainda existem, em forma de exemplares escondidos e guardados sob a protecao de pessoas obstinadas que, resistindo ao sistema e desafiando a ordem estabelecida, os possuem, clandestinos, arriscando a propria vida. O fogo, em paralelo ao livro, e outro elemento-chave na narrativa, ocupando lugar central no fio condutor, desde o titulo e o subtitulo, que especificam a temperatura necessaria para um livro se inflamar em combustao (Fahrenheit 451: a temperatura na qual o livro pega fogo e queima), ate a personagem principal, Guy Montag, 30 anos, incinerador profissional de livros que carrega no uniforme a prova de fogo o emblematico 451 e e descrito, no inicio, como um maestro que rege ¡°todas as sinfonias de chama e labaredas para derrubar os farrapos e as ruinas carbonizadas da historia¡± (F4512, p. 23).
Ha um mundo de aparencias, esvaziado de sentido, repleto de pessoas sem sentimento de pertenca ou vinculos filosoficos, dominando a cena da sociabilidade fundada no consumo, na ilusao da midia, na invasao da imagem destituida de conteudo critico, no imperio do lazer, imersos num simulacro totalizante que passa a ser um fim em si mesmo, tornando a futilidade em finalidade extrema da vida humana. A humanidade perdendo a sua capacidade critica e entregando-se, sem se aperceber, aos apelos do conforto, da aparencia de seguranca e da simulacao da realidade, blindada pelo imperio da alienacao e da mediocridade.
Percebe-se que o paragrafo acima, em que e descrito o ¡°mundo do futuro¡± do romance, poderia se referir ao mundo contemporaneo.
Na visao de Buber (1982, p. 43), o homem moderno vive imerso em linguagem, cercado de signos, sons, imagens e simbolos que incessantemente ¡°dirigem-nos a palavra¡±, o que gera o desenvolvimento de uma couraca para afastar a profusao de signos que o invade: ¡°cada um de nos esta preso numa couraca, cuja tarefa e repelir os signos¡±.
Pelo grande numero de citacoes do livro Fahrenheit 451, de Bradbury (2003), optou-se por fazer referencias bibliograficas simplificadas da obra, utilizando-se a abreviacao ¡°F451¡± para designar citacoes desta fonte. As demais Notas Bibliograficas do texto utilizam o sistema autor-data da NBR 10.520.
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Com o tempo, a invasao da linguagem fica mais sofisticada e multiforme e o homem, a cada geracao, aperfeicoa o aparato de defesa, aumentando a couraca que o protege. E preso nas couracas, torna-se gradualmente menos sensivel ao outro, pelo habito de nao estar mais aberto nem receptivo as tantas falas que se lhe dirigem nas mais diversas linguagens, pelo contrario, acostuma a ficar cada vez mais fechado, transformando em silencio o que, a principio, era o verbo. As couracas rechacando as flechas . palavras que sao lancadas . tanto protegem da invasao das linguagens quanto colocam o homem em redomas de silencios, insensivel as emanacoes do outro, vislumbrando e ouvindo apenas a si mesmo.
Assim encontramos Guy Montag (personagem que, sendo homem do futuro, representa tambem, virtualmente, para o leitor, sua descendencia e a continuidade da especie humana), invadido por signos em sua civilizacao futurista, onde as couracas blindaram o homem contra a relacao com o outro. Tudo transformado em coisas, o mundo permeado por principios utilitarios. Coisificadas, desencantadas, as pessoas tornaram-se descartaveis ¡°estamos na era do lenco descartavel. Assoe seu nariz numa pessoa, encha-se, esvazie-a, procure outra, assoe, encha, esvazie¡± (F451, p. 38), temerosas do que e diferente ¡°sempre se teme o que nao e familiar¡± (F451, p. 83), reduzidas a uma massa uniforme consumidora da industria do entretenimento.
Fechado, preso a essa couraca que rechaca as palavras verdadeiras dirigidas ao homem pela vida, blindagem que de tanto que atua ja nem e perceptivel no plano da consciencia, Montag de repente e tocado por um sentimento de estranhamento, a partir de dois eventos: o encontro com uma garota que foge aos padroes gerais e que transforma, por meio da palavra, a vida dele para sempre; e pela morte de uma senhora que se imola ao ver sua biblioteca na iminencia de ser queimada.
Para Buber, os eventos do mundo, as coisas que acontecem, sao palavras dirigidas aos homens, que podem, ou nao, estar disponiveis ao dialogo. Em alguns momentos algo se destaca da ordem comum das coisas e os filtros impermeaveis se rompem, as couracas podem ser atravessadas e a alma se abre a receptividade. ¡°As ondas do eter vibram sempre, mas, na maioria das vezes, estamos com os nossos receptores desligados¡±. E a pessoa, subitamente aberta as palavras dialogicas da vida, pergunta-se: ¡°Que e que aconteceu ai de peculiar? Nao era algo semelhante ao que me acontece todos os dias?¡± (BUBER, 1982, p. 43). Assim se deu com Montag, quando instantes de aberturas atravessaram suas couracas e eventos do mundo o tocaram profundamente, modificando-o, fazendo sentir-se
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como um homem que havia sido atirado de um precipicio, girara numa centrifuga e fora desovado no alto de uma cachoeira que despencava numa queda sem fim no vazio sem fim e nunca... chegava a tocar... o fundo... nunca... nunca... nao, nao chegava realmente... a tocar... o fundo... e caia tao rapido que nem rocava as bordas... nunca... chegava a tocar... coisa alguma (F451, p. 69).
Na sintese, ¡°algo havia acontecido¡±. E apos esse ¡°algo¡±, a Montag ja nao era mais possivel ser o mesmo de antes: perdera o chao. Acontecimentos aparentemente corriqueiros marcaram uma ruptura, a partir da qual o estranhamento se instala e o mundo se descortina: muda-se o olhar e assim muda-se o mundo. Uma nova ordem, que e desordem, deixa a personagem cindida, partida, em consonancia com o homem da modernidade, um ser fragmentado que nenhum fio unico e capaz de cerzir. Com este novo olhar, que nao pode mais evitar, Montag passa a contemplar a sociedade e a condicao humana de maneira diferenciada, abrindo-se diante da existencia, sem mais o recurso da ordem imposta, sem a seguranca de qualquer certeza, pura desordem. O bombeiro do fogo, invertendo o prazer inicial que sentia ao queimar, poe-se em conflito e em xeque, atirando-se num mar de incertezas e furia questionadora, que resultara, por fim, na redescoberta do mundo e de si mesmo a partir do contato com livros (alguns concretos, outros imateriais, referencias abstratas de um mundo incompreensivel para o homem alienado), que surgem na trama, dramaticamente, como a unica e desesperada saida que se apresenta frente ao solitario personagem em crise: ¡°As coisas que voce esta procurando, Montag, estao no mundo, mas a unica possibilidade que o sujeito comum tera de ver noventa e nove por cento delas esta num livro¡± (F451, p. 113).
Na perspectiva da ¡°teoria do efeito estetico¡± de Iser (1996),3 a catarse literaria nasce tambem do acionamento de conflitos que extinguem momentaneamente as normas pre-estabelecidas do contexto pragmatico em que se inserem, gerando estranhamentos e fazendo com que se perca a familiaridade que ideologicamente atua naturalizando a realidade e seus elementos. Mobilizado pela inversao pragmatica do inusitado que faz estranhar o que e familiar, o leitor e levado a analisar o seu proprio universo de convencoes e ideologias e conclamado esteticamente a reflexao, por meio das estrategias interpretativas tanto dispostas pelo texto quanto acionadas por ele proprio.
3 Iser (1996), ao propor uma teoria do efeito estetico discutindo o ato da leitura, apresenta conceitos e nocoes inter-relacionados numa complexa teoria, abordando a fenomenologia da leitura como ato essencialmente comunicativo e discutindo o fenomeno da interacao do leitor com o discurso ficcional durante o ato de leitura.
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Entre o fogo e o (nao) livro, o texto narrativo vai conduzindo a personagem (e o leitor) por entre saloes repletos de circuitos de telas multiplas em forma de paredes iluminadas em que pessoas estranhas convivem virtualmente repetindo papeis previamente tracados; jukebox que dizem sempre as mesmas piadas; teloes musicais acesos; imensos outdoors que anunciam produtos aos que trafegam em vertiginosa velocidade suicida; metros a vacuo impregnados do som de propagandas de dentifricio; indicios de guerras distantes que surgem nos ceus a todo instante, mas que nao sao questionados pelas pessoas postas em distancia segura (informativa e espacialmente falando); Cristo transformado em garoto-propaganda de produtos comerciais ¡°indispensaveis a todo fiel¡±, um imperio do mercado, da descartabilidade e da mediocridade, em que uma civilizacao organizada para o lazer futil e o entretenimento vazio (de alguns) parece trilhar um caminho sem volta rumo ao caos... ¡°. Nossa civilizacao esta voando aos pedacos¡± (F451, p. 115), diz um dos poucos que ¡°ainda querem ser rebeldes...¡±. Este cenario artificial, devastado pela industria do entretenimento, pode ter soado exagerado e caricatural em 1950, epoca em que foi descrito por Bradbury e o livro publicado, mas torna-se lamentavelmente proximo e semelhante da nossa vida contemporanea, um ¡°quadro desolador, um instantaneo da nossa realidade¡± (PINTO, 2003, p. 13).
Pois e nesse universo melancolicamente apocaliptico e terrivelmente proximo do leitor contemporaneo que o bombeiro Montag se desloca no percurso epico que o conduz, sentindo ¡°o silencio acumulando uma pressao atras de si por toda a cidade¡± (F451, p. 170), entre labaredas e solidao, ao seu destino de heroi: tornar-se Homem-Livro, memoria viva de um texto que foi queimado, passando a ser, ele mesmo, o proprio texto em materialidade mnemonica.
Ao fim da jornada, saindo da civilizacao em fuga, apos banhar-se em agua de rio (trazendo a cena o elemento contrario ao fogo), Montag se encontra com uma comunidade humana formada por resistentes ao sistema, uma ¡°minoria excentrica que clama no deserto¡±, ¡°uns malucos com versos na cabeca¡±, homens que tinham um livro que desejavam se lembrar, e lembraram, tornando-se, assim, ¡°capas empoeiradas de livro¡± (F451, p. 187-189), fragmentos ou obras completas de Thoreau, de Russell, de Charles Darwin, de Confucio, de Gautama Buda, de Maquiavel, de Byron, de Mateus, Marcos, Lucas e Joao...
A opcao revolucionaria feita pelos Homens-Livros (parias) baseava-se na capacidade ontologica da memoria, poder de todos e de qualquer um: ¡°Todos nos
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possuimos memoria fotografica, mas passamos a vida a bloquear as coisas que estao realmente la dentro¡± (F451, p. 186). O livro, desvestido de sua materialidade fisica e feito cinzas, torna-se nao livro, mas, guardado pela leitura no mais profundo do ser e fenix, que renasce em homem, passando a outra materialidade, meramente simbolica, pura memoria: ¡°O melhor e guarda-los na cabeca, onde ninguem vai procura-los. Somos todos fragmentos e obras de historia, literatura e direito internacional¡± (F451, p. 187). E Montag passa a ser apenas o que leu: o Eclesiastes. No jorro final das palavras do livro, irrompe o fluxo da memoria...
Para tudo ha uma estacao. Sim. Um tempo para destruir e um tempo para construir. Sim. Um tempo para calar e um tempo para falar. Sim, tudo isso. Mas, e o que mais? Uma coisa, uma coisa [...]. E do outro lado do rio, esta a arvore da vida que produz doze frutos, dando o seu fruto de mes em mes; e suas folhas servem para curar as nacoes (F451, p. 201).
O leitor, ao final do livro, e tocado por uma profunda melancolia, que emana basicamente de dois momentos literarios. No primeiro, Montag e seus companheiros Homens-Livros testemunham, de longe e a salvo, a transformacao da metropole em ferro-velho, o bombardeio que destroi a cidade. Ha, nesse instante, uma sobreposicao de pontos de vista que ainda aumenta a percepcao tragica da cena. No plano descritivo macro, como numa grande-angular, a observacao se processa longinquamente, a distancia fisica amenizando a tragedia do fim daquela civilizacao, o distanciamento regulando o tom: ¡°infimos floreios de luz e movimentos no ceu¡± indicam o bombardeio rapido e eficiente e permite que se veja ¡°um safanao de um grande punho de metal sobre a cidade distante¡±, fazendo soar o grito dos jatos que dizem, apos o ato: ¡°desintegre, nao deixe pedra sobre pedra, pereca. Morra¡± (F451, p. 194). Aos poucos, os sinais e vestigios da furia destruidora vao se aproximando dos Homens-Livros no campo, ate que testemunham, de fora e de longe, o fim:
Nesse instante, em lugar das bombas, viu a cidade no ar. Haviam trocado de posicao. Durante outro desses instantes impossiveis, a cidade se ergueu, reconstruida e irreconhecivel, mais alta do que ja havia esperado ou se empenhado em ser, mais alta do que os homens a haviam construido, ereta pela ultima vez em sedimentos de concreto despedacado e particulas de metal rasgado, em um mural suspenso como uma avalanche invertida, um milhao de cores, um milhao de esquisitices, uma porta onde deveria estar uma janela, uma cupula no lugar de uma base, uma lateral no lugar dos fundos e, em seguida, a folio Revista de Letras, N.1, V.1, 2009. Edicoes Uesb
cidade rolou sobre si mesma e tombou morta. O som de sua morte chegou depois (F451, p. 196).
Em outro plano discursivo desse mesmo momento do texto, um zoom aproxima Montag da minucia da cena, e ele pode perceber, na lupa da imaginacao, o terror, da perspectiva dos individuos que se encontram sob as bombas, na cidade pelos ares: ¡°Saia dai, corra!¡±, grita ele em desespero para os seus, que nao o podem ouvir. E a carga dramatica literaria alternando no leitor sentimentos diferenciados de pertenca: ora chamado a se solidarizar com a sociedade, ora tocado pelo individuo. Cargas semanticas operando esteticamente em diferentes niveis. Pode se perceber, entao, como o texto literario agrega ao ambito do pensamento racional, reflexivo e logico (que e acionado ao se contemplar a hecatombe da civilizacao hegemonica virtual do futuro) a dimensao emotiva, sensorial e simbolica que implica no confronto dos sentimentos de uma pessoa, evocando a perspectiva do leitor-individuo, sujeito de medos e temores frente aos perigos do futuro. Os medos da humanidade sao os medos de cada homem, de Montag e do leitor, do futuro e do presente.
O segundo momento de impacto literario e de cunho filosofico. A personagem central, sobrevivendo ao mundo . findo . a que pertenceu, alcado a uma nova qualidade, a de homem-livro-memoria, percebe, enfim, a dimensao da condicao humana que afinal atingiu, alcancando o seu destino ontologico: o de estar aberto e receptivo e inserido completamente no interior da corrente da vida. De acordo com Buber (1982, p. 46), ¡°o nome verdadeiro da concretude do mundo e: a criacao confiada a mim, confiada a cada ser humano. Dentro dela nos sao dados os signos da palavra que nos e dirigida¡±. Assim Montag ve ¡°o grande silencio baixar sobre o mundo¡± e pode entao perceber ¡°cada grao de poeira e cada lamina de capim e ouvir cada choro, grito e sussurro se erguendo¡± (F451, p. 197). Disponivel plenamente ao dialogo, imerge inteiro no curso da vida, vulneravel ao seu contato:
Comecaremos a caminhar hoje e veremos o mundo e o modo como ele caminha e fala, o modo como ele realmente e. Agora quero ver tudo. E embora nada do que entrar fara parte de mim quando entrar, apos algum tempo tudo se juntara la dentro e se fundira em mim (F451, p. 197).
Ao leitor fica a certeza de que nao ha garantias a serem dadas. O mundo e o futuro estao por fazer. E, se a personagem alcanca plenamente o destino que se esboca a sua frente, e num tom grave que isto acontece. Por-se inteiro no curso da vida, abrir-se folio Revista de Letras, N.1, V.1, 2009. Edicoes Uesb
ao dialogo e a memoria, deixar brotar ¡°o lento jorro das palavras, sua lenta vibracao¡± (F451, p. 201), tambem significa andar sozinho por entre os homens.
Por outro lado, a solucao final do romance futurista aponta para uma promessa de renascimento da civilizacao em bases mais humanas. Na fala da personagem Granger, um Homem-Livro que representa mnemonicamente a Republica, de Platao, a evocacao da metafora da Fenix renascida indica uma esperanca de reconstrucao da sociedade humana em bases mais sensatas, a partir da reflexao critica sobre as acoes, as decorrencias e a responsabilidade: ¡°parece que estivemos fazendo e refazendo inumeras vezes a mesma coisa, so que com uma vantagem que a Fenix nunca teve. Nos sabemos a estupidez que acabamos de cometer. Conhecemos todas as coisas estupidas que estivemos fazendo nos ultimos mil anos¡±. E a memoria . associada aos livros e a consciencia critica . e posta como condicao basica para a sobrevivencia humana: ¡°Desde que nao nos esquecamos disso, que sempre tenhamos algo para nos lembrar disso, algum dia deixaremos de construir as malditas piras funerarias e de saltar dentro delas¡± (F451, p. 199, grifos nossos).
Da literatura de ficcao cientifica, sua forma e seu conteudo
A digressao e a alma do intelecto.
(Ray Bradbury).
A analise de temas associados a literatura de ficcao cientifica implica numa ponderacao inicial sobre o lugar marginal a que a critica comumente a tem condenado. Constantemente considerada pouco digna de estudos academicos ou relegada a condicao de ¡°subliteratura¡±, a ficcao cientifica tem enfrentado a pecha de mero diletantismo barato, literatura pulp4, ¡°dime novel¡±. O autor de Fahrenheit 451, Ray Bradbury, inicia seu posfacio num tom que ironiza tais criticas: ¡°Eu nao sabia, mas estava literalmente escrevendo um romance barato. Na primavera de 1950, escrever e finalizar a primeira versao de The Fire Man, que mais tarde se tornou Fahrenheit 451, custou-me nove dolares e oitenta em moedas de dez centavos¡±5 (F451, p. 203). Este genero de narrativa literaria tem sido acusado de simplificacoes na narrativa, a que afirmam ser pouco elaborada em sua forma, voltada a uma grande massa de leitores e, portanto, condenada, a priori, a uma suposta mediocridade, a despeito de um ou outro autor (ou obra) que se mencione como excecao. Se tais argumentos aparentemente a desclassificam, por um
4 A expressao literatura pulp e, em si, eivada de significados pejorativos, pois abrange publicacoes baratas, feitas em papel jornal e voltadas a grande massa de leitores.
5 O autor de refere, ironicamente, ao pagamento de aluguel de maquinas datilograficas para escrever o livro.
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lado, como objeto ¡°serio¡± de estudo literario, por outro tambem sugerem a necessidade de uma inversao na otica de analise.
Na proposta de discussao da literatura de ficcao cientifica como objeto de estudo, ha que se levar em conta outros elementos literarios, valorizando-se mais o conteudo diegetico que o discurso narrativo,6 ampliando a enfase do significado e atribuindo-se maior significancia ao texto como forma simbolica, a sua carga perlocutoria7 e ao seu teor interdisciplinar ativado no processo de leitura e na construcao de memorias.
O cerne dessa forma de escrita e o estabelecimento de um cenario virtual situado num futuro inexistente, mas plausivel frente aos indicios do presente. Em tal construcao diegetica (que abrange, como em outras narrativas literarias, personagens, eventos, temporalidade, espacialidade e sociabilidade) operam elementos miticos que, via de regra, relacionam-se a representacao do mundo moderno em seus arquetipos mais recorrentes: automacao, tecnologia, robotica, dominacao, alienacao...
Por outro lado, na construcao de um porvir verossimil, a literatura de ficcao cientifica preenche os vazios de ¡°mundo irreal¡± com formas reconheciveis, apelando, por vezes, a cliches, a narrativas acessiveis ou a opacidade da linguagem ordinaria em seu uso cotidiano, sem a sofisticacao de maiores recursos literarios ou estilisticos.
A elaboracao estetica da linguagem, a essencia do texto literario, neste caso, e posta a servico da construcao8 do cenario futurista, utilizando-se, muitas vezes, uma linguagem mais proxima das situacoes de fala da comunicacao cotidiana, ou mesmo abdicando-se do uso de formas mais elaboradas ou complexas encontradas em outros tipos de textos literarios. Podendo se servir de discursos orientados pela clareza da comunicacao em detrimento de uma linguagem mais rebuscada em que predomine a conotacao ou a enfase no significante, a literatura de ficcao cientifica orienta, com constancia, a sua elaboracao estetica pela valorizacao do significado. Organiza sua base
6 Considera-se, aqui, tanto a distincao apontada por Gerard Genette entre historia ou diegese (¡°o significado ou conteudo narrativo¡±) e a narrativa propriamente dita (¡°o significante, enunciado, discurso ou texto narrativo em si mesmo¡±), quanto a diferenciacao de Maurice-Jean Lefebve entre a narracao (¡°o discurso propriamente dito, composto de palavras e de frases, susceptivel de ser analisado de um ponto de vista linguistico ou retorico¡±) e diegese (¡°o mundo definido e representado pela narracao¡±) (AGUIAR E SILVA, 1982, p. 680). E, apesar de se considerar que tais dimensoes nao se dissociam, a distincao e utilizada para a proposta de uma enfase no significado como alternativa de analise da ficcao cientifica.
7 Austin (1990), em sua teoria dos atos de fala, afirma que falar e fazer, isto e, que atos de fala nao sao apenas locucoes: sao locutorios, estao situados numa determinada situacao (ilocutorios) e nao terminam em si, tem consequencias (perlocutorios), influenciam a acao dos outros, tendo decorrencias: a palavra cria situacoes de fato que nao existiam, o discurso modifica as relacoes e a linguagem cria uma materialidade para nossa referencia.
8 Para Fish (1993, p. 159), tambem do ponto de vista do leitor o processo de construcao e fundamental: ¡°a interpretacao nao e a arte de entender construing, mas a arte de construir constructing¡±.
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sintatica, semantica e estrutural em funcao do que e, em essencia, seu objetivo maior: o conteudo, a ocupacao do presente por um futuro imaginario que se revela ao leitor entrelacado nas formas mais simples da linguagem do cotidiano, utilizada, no geral, fora do ambito da arte, e aqui, a servico dela.
Em outras palavras, o predominio do significado pode ser considerado uma das particularidades esteticas da literatura de ficcao cientifica, que visa a criacao de um mundo sintetico de existencia propria, passivel de ser aceito pelo leitor tanto de maneira verossimil quanto tambem como possivel decorrencia futura da realidade presente. No ato de ler, o repertorio individual do leitor9 e acionado, entrando em contato com marcas, pistas e indicios textuais, que funcionam como uma especie de roteiro, que faz com que o leitor nao se perca e a leitura seja pertinente. Embora cada leitor, por ter acumulado experiencias distintas, siga pistas diferentes e construa livremente sentidos sobre o que le, existem fios que conduzem a rede de construcao de significado.
Por outro lado, a propria natureza da linguagem impossibilita abarcar a totalidade do que e expresso: o texto tem vazios e o leitor suplementa a obra de acordo com o que quer fazer dela no momento e no contexto da leitura. Nesse processo, duas vontades se encontram: a do leitor e a do autor. Segundo Iser (1996, p. 78), ¡°o papel do leitor se realiza historica e individualmente, de acordo com as vivencias e a compreensao previamente constituida que os leitores introduzem na leitura¡±. Na perspectiva estetica fenomenologica de Iser, a leitura e vista como um acontecimento, se efetuando na interacao do plano do texto com o plano do leitor, no momento em que o leitor passa a preencher os vazios do texto: e no transito entre o polo artistico (do texto, relacionado a estrutura verbal) e o polo estetico (do leitor, pertinente a estrutura de afeto) que significado e obra se concretizam.
Para que essa digressao (fundamental a ficcao cientifica) seja possivel, deve haver pontos de intersecao entre o universo diegetico e o mundo contemporaneo do leitor, elementos presentes tanto na fantasia alegorica do futuro quanto na realidade coetanea, servindo de referencia e de base remissiva para um futuro diegetico que, sendo pura fantasia e devaneio, seja plausivel. Segundo Iser (1996, p. 49), no processo de leitura de um texto, ha um ¡°acoplamento cultural¡± entre a perspectiva do ¡°autor¡± e a do ¡°leitor¡±, realizando-se uma interacao entre a obra e seu receptor. Por esse motivo, a teoria fenomenologica da arte enfatiza que o estudo de um texto nao pode dedicar-se apenas a configuracao do texto em si, mas, na mesma medida, aos atos de sua apreensao (ISER,
9 Outras leituras, memorias, instrumental de linguagem, situacao no contexto, emotividade, background etc.
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1996, p. 50). Ao produzir um texto, o autor internaliza uma especie de modelo de leitor (¡°leitor implicito¡±10) a quem virtualmente se volta, modulando a linguagem de acordo com esta figura tacita, a quem o autor indiretamente se dirige. E como se, no momento mesmo da producao do texto, houvesse uma presentificacao antecipada dos possiveis leitores do texto que se produz. ¡°O texto, portanto, se realiza so atraves da constituicao de uma consciencia receptora. Desse modo, e so na leitura que a obra enquanto processo adquire seu carater proprio [...]. A obra e o ser constituido do texto na consciencia do leitor¡± (ISER, 1996, p. 50-51).
Na medida em que se volta prioritariamente para a construcao desse cenario virtual (repleto de elementos coerentes frente a uma existencia possivel), o texto de ficcao cientifica adquire sua plena significacao, se inserindo na trama social contemporanea do leitor, por meio da utilizacao de linguagem proxima a coloquial. Ha uma implicita cumplicidade estetica com o leitor: o que se busca e o mergulho na magica da compreensao simbolica. Segundo Costa (2004, p. 83),11 ¡°e entao que a qualidade da obra aparece, sendo depurada de seus elementos meramente textuais para que se revele o cenario imaginado como o objetivo ultimo dessa forma de escritura¡±.
A tentativa de dimensionar o grau de complexidade da sintese literaria que precisa ser feita para que se garanta uma transcendencia do real imediato em direcao a um futuro virtual da uma medida da imensa tarefa interdisciplinar do trabalho estetico-imaginativo do autor. Em cada obra de ficcao cientifica, para que se possa construir um todo verossimil para o cenario do futuro, precisam se mesclar coerentemente aspectos sociais, cientificos, culturais, economicos, tecnologicos, politicos, ambientais, espaciais, geograficos, morais, eticos e das mais variadas areas, mas sempre de maneira a dialogar com o que existe no presente, posto que deve ser percebido como decorrencia dele.
Sendo a literatura de ficcao cientifica capaz de estabelecer realidades futuras que serao aceitas pelo leitor como possiveis, ela resulta atuando tambem como construtora de mitologias especulativas sobre o porvir da humanidade, induzindo o leitor a uma narracao de origem as avessas, cujo inicio e o presente, tempo-espaco em que se situa o marco primordial dos acontecimentos que conduzirao ao cenario futuro da narrativa ficcional especulativa. O leitor e chamado a preencher, com sua imaginacao, as lacunas
10 ¡°[...] o leitor implicito nao tem existencia real; pois ele materializa o conjunto das preorientacoes que um texto ficcional oferece, como condicao de recepcao, a seus leitores possiveis. Em consequencia, o leitor implicito nao se funda em um substrato empirico, mas sim na estrutura do texto [...]. A concepcao do leitor implicito designa entao uma estrutura do texto que antecipa a presenca do receptor¡± (ISER, 1996, p. 73).
11 No artigo, Costa (2004) comenta o trabalho de Causo (2003) sobre literatura de ficcao especulativa.
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das trajetorias virtuais que conduzem ao cenario imaginado descrito na ficcao.12 Quando as estrategias interpretativas dessa trilha temporal as inversas se poem em operacao, o leitor e icado a um percurso imaginario que conduz do futuro ao presente.
O caos do progresso: contemplando as ruinas do futuro
eu sou como sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.
(Torquato Neto).
Considerando-se o conteudo das narrativas de ficcao cientifica e dos textos especulativos, duas alternativas de futuro se desenham: as utopias,13 constituidas de mundos idilicos em que a superacao das mistificacoes combina-se com justica social e relacoes eticas idealizadas, e as distopias,14 apresentadas por Causo (2004) como descricoes sombrias de lugares fora da historia em que tensoes sociais sao resolvidas ou controladas por meio da violencia ou da forca. Para Pinto (2003, p. 15-16), as utopias, ¡°sonhos da razao¡±, se caracterizam por parecerem irreais, contrastando com a irracionalidade reinante nas relacoes sociais, enquanto as distopias, caracterizadas na imaginacao literaria do seculo XX pela furia dominadora da racionalidade, assinalam que ¡°o sonho da razao produziu monstros¡±.
As distopias induzem, assim, a uma reflexao critica sobre discursos fundadores da modernidade: a nocao de progresso e a fe na ciencia e na tecnologia como solucao para os problemas. A ambiguidade e a contradicao com que a nocao de ¡°progresso¡± afetou vidas, sociedades, sistemas e meio ambiente ao longo do seculo XX resultam num questionamento imediato sobre o caos do progresso.
Enzensberger (2004) sintetiza, em Mausoleu: a historia do progresso em trinta e sete baladas, a trajetoria da tragedia contemporanea, em que o sistema baseado no progresso ¡°constroi as ruinas do futuro¡±, transformando em sucata virtual tudo que toca, deixando para tras de si aniquilamento e desastre. E, ao trazer para o leitor a
12 ¡°No processo de leitura emerge uma sequencia de tais atos de imaginacao; pois quando as imagens formadas ja nao deixam de permitir a integracao da multiplicidade das perspectivas, devem ser abandonadas. Atraves dessa correcao das imagens se infere uma modificacao constante do ponto de vista; isso equivale a dizer que o ponto de vista como tal nao e fixo, mas deve ser ajustado pela sequencia das imagens, ate que, por fim, ele coincide com o sentido constituido. Assim o leitor se encontra definitivamente no texto, ou seja, no mundo do texto¡± (ISER, 1996, p. 76).
13 Exemplos classicos de utopias sao A Utopia, de Thomas Morus (1516) e A Cidade do Sol, de Capanella (1623).
14 Por exemplo, Admiravel Mundo Novo, de Aldous Huxley e 1984, de George Orwell.
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possibilidade de antecipar na imaginacao as possiveis decorrencias das acoes, a ficcao cientifica especulativa distopica, assim, tem um carater de narrativa mitica que leva o leitor a contemplar, no presente, ¡°as ruinas do futuro¡±. Grandes dificuldades se apresentam a quem se dedica ao esforco de imaginar um futuro . de um presente em crise ., implicando tambem em dialogos com o passado, nao num trabalho mnemonico que vise ao mero relato historico, mas sim na tentativa de compreensao de suas trajetorias e percursos sociais, historicos, economicos, ecologicos, eticos que conduziram ao atual contexto para que se possa re-inventar um futuro, interferir no processo perverso que edificou a crise, garantindo a continuidade da vida. Olhar para o passado com a consciencia do que aconteceu posteriormente requer sempre o apelo a relativizacao, posto que tal digressao pode induzir a anacronismos, mas tal tarefa se coloca e se impoe em momentos de crise e esta analise pode ser fundamental para uma revisao vital do olhar que se pode lancar nao sobre o passado, mas sim sobre o devir e a construcao do futuro.
A literatura de ficcao cientifica tambem possibilita ao leitor o exercicio imaginativo de se colocar no lugar do homem do futuro, de viver a realidade do cenario diegetico, de sentir, pensar e agir num mundo virtual e de la olhar o presente com os olhos do outro, alteridade esta que e, a um so tempo, uma irrealidade, pois personagem da ficcao imaginaria diegetica, e uma continuidade virtual do leitor, a representacao simbolica de sua descendencia futura abstrata, personificacao tambem da perpetuacao da especie humana. Sao relacoes de empatia, projecao, transferencia e identificacao mobilizando sentimentos e consciencias.
Tais relacoes mantidas entre leitor e personagem sao comentadas por Antonio Candido (1992) em artigo sobre a personagem no romance, em que cita tambem a distincao estabelecida por Forster entre a personagem de ficcao e a pessoa viva, ao estabelecer comparacoes entre o Homo fictus e o Homo sapiens: ainda que o primeiro nao equivalha ao segundo, pois, na vida ficcional vive-se em proporcoes diferentes as linhas de acao e de sensibilidade, o dialogo que se efetua entre ambos e verdadeiro vetor de transformacoes, posto que, por meio da literatura o homem pode se conhecer muito mais cabalmente, sendo levado para dentro da personagem, enquanto na vida so pode conhecer o exterior de si mesmo. Para Candido (1992, p. 64), ¡°e notadamente o ponto de vista de Proust, para quem as relacoes humanas, os mais intimos contatos do ser, nada mostram do semelhante, enquanto a arte nos faz entrar num dominio de conhecimentos absolutos¡±.
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As distopias literarias de ficcao constantemente abordam temas ou contextos que atingem pontos-chave dos perigos e temores que assombram a humanidade quando confrontada com o futuro, resultando na construcao de cenarios que sao sinteses das questoes fundamentais ligadas aos problemas e decorrencias da civilizacao ocidental, bem como dos percursos por ela trilhados, fazendo refletir tanto para frente quanto para tras. As tematicas, a medida que o tempo passa, confrontam o leitor cada vez mais de perto. Assim, textos escritos ha mais de um seculo15 ja colocavam questoes sociais e ambientais que se tornaram paulatinamente mais proximas da realidade dos leitores, ainda que no momento em que foram escritos tais contextos poderiam parecer prenuncios apocalipticos impossiveis.16
Chamado a preencher os hiatos do percurso entre a sua atualidade concreta e o cenario futuro criado no texto de ficcao literaria, o leitor constroi trajetorias para a humanidade, para a sociedade planetaria, ou mesmo para as comunidades interpretativas a que pertence, incluindo, nesta perspectiva, o que concerne ao possivel e ao impossivel, as aspiracoes, aos desejos projetados, aos medos e perigos prenunciados, a ciclica recorrencia de fatos historicos ou ao temor do desconhecido. Como outros mitos, a ficcao cientifica tambem tem uma dimensao cosmogenica,17 so que nela a cosmogenia e metaforica e se opera ao contrario: ao inves de organizar os mundos ancestrais e origens ontologicas, o mito criado na narrativa da ficcao cientifica descreve acontecimentos futuros que se originam nas possiveis acoes do presente.
Calvino (1977, p. 75-80), discutindo o mito na arte da narrativa, assinala a possibilidade de a literatura ser subtendida pela batalha travada no esforco de sair dos limites da linguagem, de ir alem do numero finito de elementos e funcoes que a linguagem disponibiliza, em busca de dizer o que ainda nao sabe, de narrar o invisivel, se desenvolvendo sempre na borda extrema do dizivel. Atuando com palavras e narrativas, a literatura moderna da palavras ao que ficou nao dito no inconsciente social ou individual, carregando significacoes inconscientes que, de forma inesperada, podem causar um efeito imprevisto que nao teria sido obtido intencionalmente. Assim, o resultado poetico da literatura sera o efeito particular (estetico) que exercera sobre o homem, o choque que produz a partir da revelacao que reflete tambem a ¡°sociedade com seus fantasmas
15 Como, por exemplo, Le Monde tel qu¡¯il sera, de Emile Souvestre (Paris-1845), que antecipa, um seculo antes, inquietacoes semelhantes as de Huxley em Admiravel Mundo Novo, relacionadas a um mundo futuro mecanizado, esteril e sem alma.
16 Um exemplo classico de antecipacao de fenomenos futuros em obras de ficcao cientifica e H. G. Wells (1866-1946), que chegou a escrever sobre batalhas aereas e armas atomicas muito antes da sua existencia.
17 Uma das funcoes basicas do mito, sob o ponto de vista antropologico, e organizar em narrativa uma origem memorial das comunidades em que ocorrem.
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ocultos¡±. Para Calvino (1977, p. 80), em situacoes historicas a literatura exerce funcoes diferentes: durante periodos parece trabalhar para a consagracao dos valores e autoridade aceitos e noutros desencadeia processo de recusa a ordem estabelecida, abrindo vias de pensamento critico aos homens em seus tempos: ¡°gracas a esta via aberta para a liberdade pela literatura que os homens atingem um espirito critico do qual tentam fazer um patrimonio coletivo¡±.
O texto literario, que clarifica e elucida elementos centrais da experiencia humana a partir do sentimento estetico, tambem revela intersubjetividades no processo de leitura, pois existem estrategias interpretativas que sao colocadas em funcionamento quando os leitores constroem sentidos, uma vez que o sujeito-leitor que realiza o trabalho de construcao interpretativa e tambem um sujeito-leitor publico, que elabora operacoes mentais de construcao de significado possiveis a sua comunidade. Para Fish (1993, p. 163), o ¡°eu¡± do sujeito que le ¡°nao existe isolado das categorias de pensamento publicas ou convencionais que tornam possiveis as operacoes (de pensamento, visao, leitura) deste eu¡±. Embora seja correto dizer que o individuo cria significados, isto e feito atraves de estrategias interpretativas que tem origem em um sistema de inteligibilidade cultural e comunitario, enfim, intersubjetivo. Se o sujeito integra um construto social que opera em conformidade com os sistemas de inteligibilidade que o informam, entao os significados que este sujeito vier a conferir aos textos ¡°nao serao especificos a ele, mas terao sua origem na comunidade (ou comunidades) interpretativa(s) na qual ele e funcao¡± (FISH, 1993, p. 164).
Assim, a ficcao cientifica tambem reporta aos temores e pavores intersubjetivos que reunem tanto o autor quanto os leitores na mesma condicao de homem moderno. Por exemplo, temas recorrentes na literatura especulativa, como a fragilidade da condicao humana, o risco representado pelas sociedades totalitarias, o assombro e o pavor da catastrofe nuclear, os perigos do avanco cientifico e tecnologico, a relacao com as maquinas, a robotizacao do mundo ou o descontrole e a catastrofe ambiental assombram tanto os autores que os escreveram quanto os leitores contemporaneos. Reitera-se, assim, a ideia de que e o significado o cerne da producao literaria especulativa. O racionalismo mecanicista que se instalou na modernidade nao levou a um admiravel mundo novo, pelo contrario, tem conduzido o mundo a proliferacao de desequilibrios sociais e ecologicos, ao aumento brutal das desigualdades sociais e do autoritarismo, implicando no imperativo da reflexao etica. Para Bartholo Jr. (1986, p. 104), ¡°O poder cientifico-tecnologico se desenvolve na Modernidade no interior de um ¡°vacuo etico¡± que
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potencializa o risco de autodestruicao para um Homem alienado de seu vinculo de pertinencia com a Natureza¡±.
Em nome de uma suposta neutralidade etica, o poder cientifico-tecnologico tem gerado profundas alteracoes ambientais, obtendo um imenso, crescente e perigoso poder de intervencao sobre a natureza e de dominacao dos homens. A possibilidade de destruicao do planeta e da especie humana, recorrentemente abordada na ficcao cientifica, encontra respaldo apocaliptico nos fatos da contemporaneidade e da historia. Continuamente o homem parece estar trilhando o caminho que leva ao caos, enquanto estabelece uma aparencia de progresso e de sucesso civilizatorio. O reconhecimento critico do perigo iminente, nos pressupostos da etica de Hans Jonas, e formulado como uma ¡°heuristica do temor¡±, ou seja, a percepcao do perigo implicito que pode advir da intervencao tecnologica sobre a natureza (BARTHOLO JR., 1986, p. 104-115).
Durante a segunda metade do seculo XX (apos a consciencia sobre a capacidade destrutiva da bomba atomica e desastres ambientais), a nocao de que era preciso alterar os rumos do futuro foi permeada pela impressao de que a humanidade poderia findar-se. No romance, ha um momento em que a certeza do fim daquele modelo de civilizacao se revela nitidamente, vociferando-se: ¡°As cidades irao passar por maus momentos nos proximos dias¡±. Ou entao: ¡°Quando nos esquecermos quanto a natureza esta proxima na noite, [...] algum dia ela vai entrar e nos pegar, pois teremos esquecido quao terrivel e real ela pode ser¡± (F451, p. 190-191).
Outra terrivel dimensao da realidade que e posta no romance e que se reporta a realidade e a manipulacao e a alienacao que se abatem sobre os homens. A sociedade alienada de Fahrenheit 451 vive imersa numa felicidade superficial e falsa, que se aproxima da degluticao cotidiana imposta ao grande publico pela sociedade de massa e pela industria do entretenimento, voltado para o consumo e o mercado. Se, por um lado, tudo e mercadoria, por outro lado, o padrao de qualidade regula-se por uma extrema mediocridade nascida na busca desenfreada pelo consumo rapido, pelo apelo a velocidade da degluticao mercadologica. Nas palavras de Beatty, o chefe dos bombeiros incendiarios que funciona como narrador do passado em alguns momentos do texto, encontra-se, a um so tempo, a sintese da trajetoria diegetica e da realidade contemporanea:
Imagine o quadro. O homem do seculo dezenove com seus cavalos, carrocas, camera lenta. Depois, no seculo vinte, acelere sua camera. Livros abreviados. Condensacoes. Resumos. Tabloides. Tudo subordinado as gags, ao final emocionante (F451, p. 79).
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Acelere o filme. Montag, rapido. Clique, Fotografe, Olhe, Observe, Filme, Aqui, Ali, Depressa, Passe, Suba, Desca, Entre, Saia, Por Que, Como, Quem, O Que, Onde, Hein? Ui, Bum, Tchan! Poin, Pim, Pam, Pum! Resumos de resumos, resumos de resumos de resumos. Politica? Uma coluna, duas frases, uma manchete. Depois, no ar, tudo se dissolve! A mente humana entra em turbilhao sob as maos dos editores, exploradores, locutores de radio, tao depressa que a centrifuga joga fora todo pensamento desnecessario, desperdicador de tempo! (F451, p. 80).
Que realidade se revela entao, senao o cotidiano contemporaneo em que qualquer pessoa acessa qualquer resumo de qualquer texto pela Internet e tem a conviccao de que conhece a obra, apos ler uma sintese de vinte linhas? Em 1950, quando o romance foi escrito, tal prenuncio talvez pudesse parecer exagero, mas, hoje, essa realidade e fato corriqueiro. E inegavel o aumento das televivencias (em que, atraves da mediacao das maquinas, a virtualidade predomina), em detrimento das convivencias, das presentificacoes, das relacoes diretas entre as pessoas sem intermediacao tecnologica: telefone, celular, internet, televisao, radio, cinema... a sociabilidade humana e feita hoje em grande parte de forma virtual.
Transparecem duas perspectivas criticas, sendo a primeira sobre a centralidade alcancada pela instancia intangivel chamada mercado, que media quase universalmente a economia, a politica e a comunicacao, interferindo tanto nas instancias publicas quanto privadas mundiais, passando a obter uma dimensao insuspeitada anteriormente, a partir da globalizacao a da internacionalizacao do capital. A fala contemporanea de Patrick Le Lay (reproduzida no editorial de Ignacio Ramonet no Le Monde Diplimatique, edicao de janeiro de 2005), que e editor e dono da maior rede de televisao francesa, revela a relacao entre a industria do entretenimento, o mercado, a propaganda e a alienacao: ¡°O objetivo da TF1 e ajudar a Coca-Cola a vender seu produto. O que nos vendemos a Coca-Cola e o tempo de cerebro humano disponivel¡±. Emanam disso variadas formas de percepcao dos perigos da modernidade. Para Bartholo Jr. (1986, p. 104),
A tecnologia moderna representa, em duplo sentido, perigo. Ela representa perigo ao ameacar as condicoes de sobrevivencia da Humanidade e demais formas de vida planetaria, em razao de seu impacto destrutivo sobre o ecossistema. E ela representa perigo pelo ¡°controle remoto¡± tecnologico, ou seja, a manipulacao dos individuos pelas estruturas tecnocraticas do poder.
A segunda critica que transparece refere-se ao processo de mediocratizacao e de alienacao que se instala no vortice de transformacao de tudo em objeto de consumo
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rapido, a ser comprimido e deformado, sintetizado continuamente ate se transformar em algo de consumo rapido e de alto poder de descartibilidade. Assim, neste ponto, chega-se a uma questao chave abordada por Bradbury: ¡°existe mais de uma maneira de queimar um livro. E o mundo esta cheio de pessoas carregando fosforos acesos¡± (F451, p. 212)! E na voz do proprio autor, Ray Bradbury, ao comentar o que ele mesmo tem enfrentado nas edicoes de seus textos, que encontramos uma efetiva e contundente analise sobre a paulatina deformacao de textos, livros e ideias que porventura passem pela fabrica de pasteurizacoes e maquina de reducoes que algumas editoras se transformaram, associadas a outros meios de comunicacao, sob o comando de editores ¡°estupidos¡± que, considerando-se fonte de toda literatura insossa como mingau sem gosto, lustram sua guilhotina e miram a nuca de qualquer autor que ouse falar mais que um sussurro.
A simplicidade em si mesma. Esfole, desosse, desmonte, escarifique, derreta, encurte e destrua. Todo adjetivo de quantidade, todo verbo de movimento, toda metafora que pesasse mais que um mosquito . eliminados! (F451, p. 213).
Cada conto, emagrecido, famelizado, editado, sangrado e tornado anemico, se assemelhava a qualquer outro. Twain soava como Poe, que soava como Shakespeare, que soava como Dostoievski, que soava como . no final . Edgar Guest. Toda palavra com mais de tres silabas havia sido aparada. Toda imagem que exigisse ate um segundo de atencao . assassinada (F451, p. 212).
.
Ao lidar com medos e temores contemporaneos, a ficcao especulativa resulta abordando as consequencias, trajetorias, decorrencias, problemas historicos e atuais da civilizacao ocidental, conclamando o leitor a reflexao e implicando tambem num duplo envolvimento, tanto emocional quanto racional, com a tematica abordada, o que sugere a literatura como ampliadora da capacidade de mobilizacao critica do leitor frente a realidade e o aumento do grau de consciencia dos problemas contemporaneos.
O medo faz parte das decorrencias do progresso da civilizacao. A palavra ¡°progresso¡± aproxima-se, de inicio, um campo semantico positivo, na significacao de um avanco continuo em direcao a algo melhor, ligando-se a nocao de exito, de coisa desejavel. Entretanto, ao progresso associa-se tambem o medo, sentimento ancestral humano que se relaciona a perigo, a algo a ser evitado, ao que nao apenas se rejeita como tambem se deve fugir, com forte significacao cultural negativa. Este duplo carater do progresso e do avanco tecnico-cientifico e a quinta-essencia da civilizacao e do homem moderno, inserido numa sociabilidade fundada em paradoxos. E e o nucleo argumentativo da literatura especulativa.
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Nao se deve, contudo, pensar a literatura de ficcao cientifica como instrumento de mera antecipacao de questoes cientificas, sociais, tecnologicas, politicas, economicas, ambientais ou de ferramenta para a proposicao de possiveis solucoes. Pelo contrario, o que ha de se considerar e a imensa potencialidade que carrega para estabelecer, por meio do pulsar estetico da arte, terrenos fecundos para o pensamento critico sobre temas contemporaneos, como identidade, etica, responsabilidade, meio ambiente e futuro, mobilizando sujeitos-leitores para uma existencia mais responsavel e prudente. A catarse literaria pode viabilizar a contemplacao das ruinas do futuro e dar ao leitor a chance de uma reflexao critica mais abrangente, uma visao imaginaria das possibilidades (perversas ou utopicas) de construcao coletiva do porvir. E a literatura de ficcao cientifica, relacionando palavras, memoria e futuro, pode alcancar, assim, funcoes heuristicas e educativas adicionais as esteticas.
Hay un cuadro de Klee que se llama Angelus Novus. En el se representa a un angel que parece como si estuviese apunto de alejarse de algo que le tiene pasmado. Sus ojos estan desmesuradamente abiertos, la boca abierta y extendida las alas. Y este debera ser el aspecto del angel de la historia. Ha vuelto el rostro hacia el pasado. Donde a nosotros se nos manifiesta una cadena de datos, el ve una catastrofe unica que amontona incansablemente ruina sobre ruina, arrojandolas a sus pies. Bien quisiera el detenerse, despertar a los muertos y recomponer lo despedazado. Pero desde el paraiso sopla un huracan que se ha enredado en sus alas y que es tan fuerte que el angel ya no puede cerrarlas. Este huracan le empuja irreteniblemente hacia el futuro, al cual de la espalda, mientras que los montones de ruinas crecen ante el hasta el cielo. Ese huracan es lo que nosotros llamamos progreso (BENJAMIN, 1973).
WORD AND MEMORY IN THE BOOK-MEN OF FAHRENHEIT 451:
SCIENCE FICTION LITERATURE AND THE CONTEMPLATION OF
THE RUINS OF THE FUTURE
ABSTRACT
This paper discusses the possible heuristic effects of reading dystopian literary texts and its reflective critical dimension due to modern sociability and its views of the future. It analyses the importance of reading and literature in the development of a critical awareness that will promote changes and ethic behaviors as opposed to alienation and submission to modernity, observed in the metaphor of the ¡°book-men¡± in the novel Fahrenheit 451 by Ray Bradbury. It addresses theoretical aspects of the speculative literature of science fiction by anchoring on postulations of esthetic reception and proposing, as an analytical road for these texts, the valorization of the diegetic content, the perlocutory dimension, the emphasis on meaning and on text as symbolic form, and the interdisciplinary perception which is activated through the reading process and the construction of the ¡°memories of the future¡±.
KEYWORDS: Dystopian. Future. Science fiction literature. Memory. Reading process.
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